Um texto (corrido) para proteger a estratégia das “listas de tendências”

O máximo que uma lista de tendências bem elaborada pode fazer é dar informações e insights para formular boas perguntas, e estas, sim, favorecerem uma melhor tomada de decisão

*Por Sergio Lozinsky

A cena se repete a cada fim e começo de ano: listas com “tendências irrefutáveis”, que não podem ser ignoradas pelo CEO. Esse fluxo de projeções costuma ser formulado com base em soluções simplórias e até fantasiosas para problemas complexos e reais. Na verdade, na maioria dos casos, onde se lê “lista de tendências”, o mais apropriado seria “lista de opiniões”.

Boas projeções existem, claro. Há instituições e profissionais que se dedicam a projetar ideias para o futuro, baseando-se em estudos sólidos sobre mercados, públicos e tecnologias. Porém, mesmo entre as melhores do ramo, não há histórico isento de erros. Lembra-se quando falavam que “a era do CIO chegou ao fim”, e a TI passaria a ser regida por CDOs (chief digital officers), que seria alguém de negócios com visão de como aplicar as ferramentas digitais? Ou quando o modelo presencial de trabalho foi considerado “definitivamente ultrapassado”? Pois bem, eis dois exemplos recentes de previsões que se mostraram equivocadas em pouco tempo, mas anunciadas como “tendências inescapáveis” por organizações com boa reputação.

Ou seja: o grande risco das listas, mesmo as boas, é adotá-las como verdade absoluta, e a partir daí, usá-las como bússola para orientar a estratégia e a tomada de decisões. O máximo que uma lista bem elaborada pode fazer é dar informações e insights para formular boas perguntas, as quais podem, sim, favorecer uma melhor tomada de decisão.

Arautos do apocalipse

Antes, porém, de falarmos sobre os questionamentos que uma lista pode estimular, cabe apontar alguns sinais de que você está diante de uma lista que não merece ser vista com bons olhos. Se a lista é muito impositiva, se trata tudo que está por vir como “ameaça”, e usa a todo momento a palavra “inevitável”, acredite: ela está equivocada – especialmente se ela está tratando de tecnologia.

É algo não tão complicado de avaliar: toda tecnologia tem uma curva,  que prevê o momento de adoção, a maturação do produto e dos usuários, sua eventual comoditização, etc. Portanto, quando uma lista diz que “quem não aderir a essa tendência não vai sobreviver”, muito possivelmente ela está mais interessada em gerar burburinho com a sensação de ameaça do que examinar o cenário com critérios objetivos e atenção. E como já disse Millôr Fernandes, “sempre desconfie do idealista que lucra com o seu ideal”.

Anos atrás, quando a computação em nuvem ganhou escala para se tornar uma solução viável, não faltaram publicações dizendo que era “ir para a cloud ou ficar para trás”. Bem, a migração de fato aconteceu, mas depois vivemos o momento de “descloud”, quando os custos desse tipo de operação se mostraram demasiadamente altos para mantê-la como único caminho

Atualmente, vemos essa ferramenta ser usada de forma mais equilibrada. Até que isso acontecesse, anos se passaram e muitos investimentos desnecessários foram feitos. Essa curva de adoção requer provas de conceito, estudos bem elaborados e bastante discussão executiva e técnica – atividades que costumam ser negligenciadas quando a cultura é do tipo que se pauta pelo hype.

Procure saber 

Para não cair nesse tipo de armadilha, é preciso receber essas listas com um olhar crítico, capaz de formular questionamentos pertinentes ao negócio. Por isso, diante de uma tendência, seja ela “inescapável” ou não, cabe perguntar: o que ela tem a ver com meu core business? É algo com que meu público se identifica? Se esse cenário se concretizar, como ficam minhas operações? E se ele não se concretizar, quais os impactos para quem se aventurou por esse caminho? Toda boa estratégia deveria levar explorar as prováveis razões para seu eventual fracasso, o que é uma boa prática para testá-la e aprimorá-la.  

Não tenho conhecimento de nenhuma empresa que, em 2020, estivesse realmente preparada para readequar sua estratégia diante de uma pandemia global. De forma semelhante, pouquíssimas foram as empresas que estavam preparadas para lidar com os efeitos da recessão terrível que se abateu sobre os Estados Unidos em 2008.

Questionar as tendências pode ajudar a se antecipar a cenários extremos, como os listados acima, e também auxiliar a aderir em uma escala viável a algo que será assimilado no futuro. Por isso, também cabe indagar questões de outra natureza, como: meu negócio realmente precisa – agora – dessa nova tecnologia ou desse novo modelo de trabalho? O que eu consigo adotar como alternativa ao hype? A concorrência pode se aproveitar da minha inação? Os competidores terão uma vantagem significativa caso embarquem nessa novidade frente à  minha empresa?

Conheci empresas onde a liderança acreditava que precisava testar tudo que surgisse de novo em seu segmento, pois queria estar preparada e em vantagem caso a proposta vingasse. Mas também conheci aquelas cujos executivos preferiam esperar para ver qual tendência iria se consolidar no mercado, preferindo examinar os resultados da concorrência, mesmo sob o risco de suas empresas ficarem defasadas, a empreender uma corrida de alto custo em busca de um destino que talvez nunca se justificasse. Esses executivos afirmavam ideias como “deixe o concorrente gastar o dinheiro testando, quando funcionar,  comprarei mais barato”. 

Ambas as políticas têm seus méritos e riscos. O importante é que são posturas decorrentes do questionamento e da disponibilidade para investigar antes de agir, que é exatamente a atitude que uma boa lista de tendências deveria inspirar. Cabe, ainda, apontar que as organizações que adotam essas linhas de ação não mudam radicalmente seus modelos de negócio antes de concluir suas investigações.

Peneirando tendências

Como já foi dito, “é difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro”. Mas pesquisar o mercado e analisar cenários, não. Existem muitos recursos que podem ajudar nessa tarefa: mapeamento da cadeia de valor dos processos da empresa, inteligência de negócios e estudos setoriais são ferramentas que demandam investimento e envolvimento da alta gestão, mas costumam trazer ótimos resultados quando usadas de modo diligente. 

Aliás, com esses e outros recursos, algumas empresas podem até mesmo fazer seu próprio levantamento de tendências, criando uma lista mais exclusiva e pertinente. Porém, mesmo as que se baseiam nas projeções podem, com o auxílio dessas ferramentas, descobrir onde devem realizar mudanças e onde é melhor não se aventurar.

Sem presente não há futuro

“O futuro é um passado em construção”. Olhar para o futuro pede uma investigação diligente do presente. Decisões de negócios não podem ser emocionais, tampouco baseadas em predileções individuais sem respaldo na realidade. Claro, a  liderança sempre terá sua cultura e suas crenças, mas é preciso se pautar pelos requerimentos e oportunidades do negócio. São eles que precisam orientar a aceitação ou a resistência a uma tendência. E, principalmente, são eles quem vão inspirar os questionamentos e as análises das projeções apresentadas. 

artigo assinado por

Sergio Lozinsky

Sócio-fundador e CEO
Com mais de 30 anos na TI, é fundador da Lozinsky Consultoria. Autor de livros e inúmeros artigos sobre estratégia empresarial e tecnologia.
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