O que o CIO espera de seu líder – e o que ele deveria esperar

Parcela significativa das lideranças de TI participantes do estudo “Jornada do CIO” alega que sua maior dificuldade é lidar com uma gestão centralizadora. Desafio existe, mas não pode ser visto como via de mão única

Por Sergio Lozinsky

 

“Quando não somos mais capazes de mudar uma situação, somos desafiados a mudar a nós mesmos.”

 Viktor Frankl, psiquiatra e neurologista

 

Embora humanização seja uma palavra em voga no mercado já há algum tempo, ainda há dificuldades no entendimento de que empresas são feitas não apenas de pessoas, como tanto ouvimos por aí, mas, também e principalmente, da relação entre elas. Muito mais que essa ou aquela tecnologia, são as mentalidades individual e coletiva alinhadas na mesma direção que promovem a transformação de negócios.

Essa constatação se torna ainda mais latente quando nos debruçamos sobre um extrato da primeira edição da pesquisa “Jornada do CIO: da realização pessoal à transformação de negócios”: para 63% dos respondentes, transparência e confiança são importantes valores na relação com pares, equipes e líderes. Em contrapartida, mais de 20% desses mesmos líderes disseram conviver com gestores controladores, que centralizam decisões sobre a TI mesmo em temas pouco ou nada estratégicos, ou que buscam o departamento só  para apontar problemas e cobrar resultados.

Baixe gratuitamente o report “Jornada do CIO: da realização pessoal à transformação de negócios”

Temos aí uma situação na qual o discurso e a prática não encontram reciprocidade. As raízes para esse paradoxo são profundas e emaranhadas, mas vale a pena desencavá-las de forma a propor caminhos para tornar essa relação entre líderes e liderados, que é fundamental para os negócios, mais produtiva.

Em minha experiência como consultor, constatei que a maioria dos líderes de TI ainda se vê como subordinada, mesmo quando atingiu os altos escalões da organização. Raramente esse profissional se percebe no mesmo nível de seu líder, e não digo apenas em termos de hierarquia em si, mas principalmente de comportamento. Há exceções entre profissionais de tecnologia que trabalham com prestação de serviços ou vendas – atividades mais dinâmicas e ágeis por natureza. Mas aqueles que atuam em empresas ainda conservadoras e hierarquizadas tendem a apresentar massivamente a atitude subalterna. É muito comum, por exemplo, que o CIO escolha qual a melhor hora e dia para falar com seu chefe direto, com aquele cuidado típico de quem só consegue ser ouvido quando dá “sorte” de pegar o líder de bom-humor. 

É igualmente frequente que esse mesmo CIO aceite sugestões e recomendações de seus superiores como se fossem ordens, mesmo que as ações recomendadas não sejam as mais adequadas ao momento. Assim, acaba obedecendo a uma vontade que deveria influenciar de forma positiva, usando para tanto seu conhecimento e sua experiência.

A origem desse comportamento está na posição que a TI ocupa na maioria das empresas. Salvo exceções, ela é vista como um problema, um centro de custos, quando muito um departamento de manutenção, e não um elemento estratégico e imprescindível dos negócios. No entanto, os impactos provocados pela pandemia do coronavírus forçaram uma revisão desse olhar. A urgência da resposta à crise fez com que o board tivesse um choque de realidade – o nível de dependência que seus negócios têm em relação à tecnologia. 

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Outra fonte do comportamento excessivamente subordinado tem a ver com a formação ainda majoritariamente técnica do CIO. Nesse sentido, a “Jornada do CIO” revelou que 51,2% dos profissionais que ocupam cargos de liderança em tecnologia são graduados em Ciências da Computação, e outros 20,9% vêm de formações pouco dedicadas ao ensino de habilidades de liderança – eles se graduaram em engenharia, matemática ou estatística.

Há ainda um terceiro fator determinante: via de regra, a TI é uma área que demanda muito dinheiro das empresas, e de forma constante. Nem sempre o valor desse investimento é percebido de forma imediata. Conheço vários executivos que acham que a TI não precisaria custar o que ela custa, acreditando – equivocadamente, é claro – que tais investimentos são mais para satisfação da própria TI que para o benefício da empresa.

Em um mundo ideal, as lideranças diretas do CIO entendem o papel da tecnologia no negócio, que é cada vez mais estratégico e mais disseminado em todas as áreas da empresa. Sabem que, por tratar de um assunto extremamente complexo, a TI requer especialistas em diversos temas, razão pela qual dificilmente a empresa consegue internalizar todas as soluções, precisando, para isso, de fornecedores e prestadores de serviços. Essas lideranças compreendem que mesmo as melhores soluções são temporárias e que, em algum momento, se tornarão obsoletas.

Por outro lado, o que vemos na prática é que alguns executivos ainda enxergam a TI como difícil, impenetrável, o que coloca o negócio em risco. Em certa medida, avaliam a TI e o CIO como males necessários, e não elementos que contribuem de forma decisiva para alavancar o crescimento dos negócios. É bastante comum que CEOs – principalmente quando não são acionistas – cortem parte significativa do orçamento da TI sem entender os impactos que causarão no próprio core business da empresa.

Muitos CIOs que estão lendo esse artigo já devem ter se deparado com situações nas quais o CEO adotou a postura de exigir uma meta de corte de custos praticamente impossível, sob tom de ameaça  – “você tem apenas esse dinheiro para sua área, se vire com isso”. Em situações como essa, a diferença que um gestor de TI não subalterno pode fazer é ainda mais transparente. Porque existem aqueles que reagem a essa provocação (ou afronta) com um “sim, senhor” conformado, e outros que dizem: “ok, eu farei de tudo para cortar o orçamento. Mas na próxima reunião vou mostrar exatamente o que não teremos por conta desse corte”.

De um lado, a TI tem que se fazer respeitar pela complexidade imposta, e de outro deve ser compreendida como uma área com potencial estratégico. O ideal é que esse entendimento esteja nos níveis mais altos, sendo sempre alimentado com os desafios que cada modelo de negócio enfrenta.  Gosto de dizer que o lugar ideal do CIO é no board, pois ali é onde ele consegue levar essas questões para os demais diretores. Os executivos precisam entender que o CIO é vital para o crescimento da empresa e, portanto, tem de haver amplo trânsito de ideias com ele, já que toda decisão tem impacto na TI e por ela é impactada.

O CIO deve ter em mente que os executivos não são seus inimigos. O problema não é que eles não acreditam em tecnologia, mas sim que a tecnologia tem um peso cada vez maior na planilha de investimentos das organizações – como não poderia deixar de ser em um mundo digitalizado. E, exatamente por isso, colocar-se diante deles como subalterno só perpetua essa percepção de que a tecnologia é um “mal necessário”.

Se você ainda se sente compelido a se ver como um executor de ordens, recomendo lembrar que a TI é a única área que conhece e entende cada pedacinho da empresa, e assim pode desenvolver soluções para o negócio como um todo. E não falo só do CIO: a equipe, os fornecedores e consultores, todos podem ter insights valiosos para o crescimento da empresa. Nesse ponto, não tem executivo, mesmo o mais arrogante, que não ouça. A constatação de um problema importante no negócio, com uma ideia com potencial de ruptura, não pode ser ignorada. Trata-se, na essência, de uma forma indireta de valorização.

 

Leia mais:

O CIO que não quer ser CEO: por que isso é um risco para os negócios?

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artigo assinado por

Sergio Lozinsky

Sócio-fundador e CEO
Com mais de 30 anos na TI, é fundador da Lozinsky Consultoria. Autor de livros e inúmeros artigos sobre estratégia empresarial e tecnologia.
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