orçamento de TI

Os pontos cegos da gestão orçamentária da TI

Definir e gerenciar orçamentos de tecnologia da informação envolve grandes (e nem sempre óbvios) desafios. Como tornar a gestão orçamentária um componente do posicionamento estratégico da TI?

Por Sergio Lozinsky

Certa vez, em uma reunião, perguntei aos executivos de uma organização qual seria a prioridade em termos de investimento em tecnologia para o ano seguinte. Estávamos justamente em um período como este, o de analisar as iniciativas do ano vigente e planejar o próximo ciclo. A resposta foi clara e sem discordância entre os presentes: a empresa queria focar em eficiência operacional. 

Até aí, nenhum problema. Gerar mais com menos é um objetivo legítimo e que pode ser alcançado por meio da tecnologia. A minha surpresa foi quando, logo após a resposta coletiva, vi a lista de projetos aprovados para o ano seguinte. Dentre dezenas de alvos de investimentos, apenas dois tinham como foco a eficiência operacional.

Algo estava errado na alocação dos investimentos. Faltava ao grupo de executivos uma maior maturidade em termos de governança de TI, de forma que alinhasse os objetivos do negócio com o entendimento dos impactos desses objetivos na arquitetura tecnológica e nos projetos de TI.

Para entender por que nascem os pontos cegos da gestão orçamentária da TI, antes é necessário compreender como os orçamentos são construídos.

Top-down ou bottom-up

Há dois tipos de orçamento. O primeiro é o chamado top-down, em que a TI negocia um valor total a ser distribuído entre custos e investimentos por um certo período (em geral, um ano). A partir disso, as prioridades da empresa são administradas dentro desse budget, de modo tanto a suportar os custos e aquisições previstos pela TI, quanto a alocar verbas para projetos demandados pelas áreas de negócios, que são priorizados, como comentei, com maior ou menor maturidade de governança.

Já no bottom-up, as áreas discutem as demandas de cada departamento, e o orçamento final preliminar será a soma das estimativas desses diversos componentes, mais outros custos e investimentos previstos pela própria TI para manter as operações funcionando com desempenho e segurança. Depois disso, usualmente volta-se ao modelo top-down, para validar o valor total alcançado ou impor uma redução geral, que pode desencadear novas negociações com as áreas de negócios. Novamente, a questão da maturidade da governança de TI determinará a qualidade das escolhas.

Não há modelo certo ou errado, mas cada um tem suas características. No top-down, é fundamental que a TI faça bem o seu dever de casa para negociar um valor no orçamento que atenda adequadamente às diversas necessidades do negócio e, também, as suas próprias – por exemplo, contratos de serviços, aquisição de licenças, folha de pagamento de TI, entre outras -, discutindo prioridades e o sequenciamento das tarefas. No bottom-up, em tempo de negociação do que “entrará no orçamento”, é importante uma análise mais crítica das demandas das áreas de negócio, de modo a concentrar os esforços naquilo que está mais alinhado com os objetivos estratégicos. Esta conduta permitirá à TI trocar a figura do “tirador de pedidos” pelo papel mais propositivo para o negócio.

Idealmente, o orçamento também deve ter espaço para atualizações, porque vivemos um mercado dinâmico e não é raro haver mudanças de rumo durante o ano. De novo, uma boa governança de TI é a base para que a tomada de decisões leve em conta tanto os novos requerimentos da empresa, quanto os impactos das mudanças na arquitetura tecnológica – e, portanto, nos custos da TI.

Outro aspecto a ser pensado é a própria dinâmica da evolução tecnológica. Um orçamento de TI precisa de espaço para investigar, estudar e testar tecnologias promissoras para o negócio, justamente para prever projetos que implantarão algumas dessas tecnologias e afetarão futuros orçamentos. Além disso, a cibersegurança cresce em sofisticação à medida que a tecnologia permeia um maior número de processos da empresa e a mantém conectada permanentemente a clientes e fornecedores. Orçamentos de cibersegurança têm se mostrado significativos em termos de investimento, e não devem ser subestimados na elaboração do orçamento anual.

Então, como surgem os problemas orçamentários?

Na TI, os projetos são longos. Os resultados mais rápidos – e raros – são medidos em semanas, não em dias. Já a maioria deles levam meses ou até anos para se concretizarem. Isso exige eficácia e capacidade de gestão desses projetos pela TI, para assegurar que as estimativas sejam satisfatoriamente atingidas. Atrasos em projetos importantes ou baixa qualidade das entregas comprometem o orçamento, pois consomem recursos e verbas não previstos, criam insatisfação e desconfiança nos usuários, e dificultam a confecção dos orçamentos seguintes.

Além disso, a TI precisa lidar com fatores imponderáveis – o inusitado, o não previsto. E se, por conta do mercado aquecido, a empresa perder pessoas-chave? E se houver um ciberataque? E se as prioridades mudarem? Por isso, um bom orçamento de TI deve considerar “contingências”: valores associados a iniciativas individuais, ou ao orçamento como um todo, que serão acionadas diante do inesperado, buscando minimizar e absorver os seus efeitos da melhor forma possível.

A própria volatilidade da moeda brasileira é outro desafio para a orçamentação, afinal, boa parte dos contratos de tecnologia são feitos em dólares ou euros. Na gangorra Brasil, uma variação das moedas fortes pode implodir orçamentos e paralisar projetos.

Por tudo isso, o ponto cego não vem tanto da constatação de que o imponderável pode e provavelmente vai acontecer, o que não surpreende ninguém quando o assunto é tecnologia. O problema nasce da falta de um planejamento de qualidade: a boa gestão de TI não zera o risco, mas o mantém num patamar satisfatório (o que chamamos no mercado de “risco aceitável”).

E quando o budget sobra?

Parece irônico, mas o outro lado da ginástica orçamentária também existe: é quando a TI não consegue gastar todo o orçamento definido. Ao contrário do que se pode pensar, em geral, situações assim não são uma boa notícia. Podem ocorrer em empresas que têm um dia a dia operacional instável, que impede ou atrasa o CIO de disparar projetos novos, até mesmo os aprovados, por conta da dedicação que os profissionais precisam dar a manter as operações funcionando.

A lentidão em completar projetos de tecnologia também pode vir de problemas do negócio. Por exemplo, uma empresa de varejo que não vende o que estava projetado, então congela o orçamento de todas as áreas. A verba pode ser disponibilizada ainda no ano corrente, o que em teoria não modifica o orçamento inicial, mas talvez a TI não tenha mais tempo para concluir tais projetos.

Faces de um único desafio

Seja qual for o caso, os bons gestores de tecnologia não necessariamente impõem seu orçamento, mas deixam claro para a empresa as prioridades e a capacidade de execução que o budget aprovado permite, e o grau de risco que essa eventual limitação significa.

Um bom orçamento de TI é resultado de um trabalho que reúne visão estratégica do negócio, demandas mais urgentes, avaliação da capacidade de mobilização do pessoal interno e da capacidade financeira, estudos de ROI, identificação de custos fixos e variáveis, renegociações de contratos com fornecedores de produtos e serviços de tecnologia, e ainda uma clara e alinhada percepção das prioridades.

artigo assinado por

Sergio Lozinsky

Sócio-fundador e CEO
Com mais de 30 anos na TI, é fundador da Lozinsky Consultoria. Autor de livros e inúmeros artigos sobre estratégia empresarial e tecnologia.
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