A agenda da agenda do CEO em 2024

Relatórios apontam urgência na adoção da IA como prioridade para o principal líder das organizações. Mas, no plano em que os desafios de negócio acontecem, quais são as reais prioridades?

Por Sergio Lozinsky

Um pouco de pesquisa, um pouco de sugestionamento. Relatórios já aguardados nesta época do ano e que pretendem determinar as prioridades na agenda do CEO para 2024 são enfáticos em relação à adoção da inteligência artificial – trata-se de um investimento prioritário e até obrigatório, segundo tais previsões. E quem ainda não começou a fazer isso já está atrasado, podendo sofrer consequência irreversíveis, segundo essas análises.

Só que problemas complexos não cabem em sentenças e soluções generalistas. Embora seja um tema presente e deva estar na pauta das empresas, a inteligência artificial mostra-se, no mundo real das corporações brasileiras, um campo de questionamento e experimentação. Desafios e metas estabelecidos para o ano que começa podem simplesmente não envolver IA como ferramenta que contribuirá diretamente para alcançá-los. Mas esta não é uma conclusão que enfeita um relatório de pesquisa sobre agenda do CEO para 2024, não é verdade?

A realidade é que as empresas estão – e devem estar – altamente criteriosas e cuidadosas com o investimento tecnológico. Afinal, ainda estamos lutando contra fatores como baixa produtividade, margens mais apertadas, juros mais altos, volatilidade de confiança na economia, dependência externa muito alta, entre outras dificuldades internas e externas. Por isso, é fundamental que a agenda seja inteligente e que busque, em partes, resultados de curto prazo, enquanto outros projetos e métricas garantam o futuro da companhia.

No topo da agenda do CEO em 2024, independentemente de hypes, está outra coisa, como me mostra a observação e as conversas realizadas dentro das salas de diretoria. É preciso fazer uma avaliação constante para saber se a arquitetura tecnológica da empresa, que é a sustentação de toda a operação, está à altura do negócio. Ela oferece desempenho? Tem aderência e segurança? Promove informação e inteligência para a tomada de decisão? Será que o desafio é a obsolescência de equipamentos que precisam ser atualizados – o que demanda investimentos elevados? Ou há oportunidade de melhor gestão dos recursos de cloud computing?

A inteligência artificial, nesse contexto, pode fazer parte da solução. Mas, antes da IA, há muito dever de casa que não pode ficar para trás – estes, sim, que colocam a organização em posição de estar apta a crescer e não ser deixada para trás pela concorrência.

 A pergunta que nunca falha: por que?

Outro fator importante de ser adicionado à equação dos investimento em TI para 2024 envolve as especificidades de cada setor. Veja a saúde, por exemplo, que sofre com um problema complexo e que se arrasta há anos: segundo um relatório do Instituto de Estudos da Saúde Suplementar (IESS), fraudes e outros desperdícios causaram prejuízos de quase 34 bilhões de reais em 2023, o que representa 12,7% das receitas dos planos de saúde.

A IA pode ajudar na detecção e prevenção de fraudes no setor? Se a resposta é positiva, a inteligência artificial talvez mereça ser erguida ao topo da agenda de investimentos. Esta decisão, no entanto, não nasce da preocupação em aderir a uma tendência, e sim da necessidade de encontrar solução para um problema generalizado e que ninguém ainda conseguiu resolver satisfatoriamente. Não se pode acreditar nos alarmistas que decretam que as empresas vão morrer sem IA. Ainda não atingimos a fase de domínio dessa tecnologia.

Além disso, há que tomar um certo cuidado com o que se chama de “inteligência artificial”: na ânsia de mostrar que estão “à frente” das tendências tecnológicas, empresas e fornecedores começam a chamar de inteligência artificial iniciativas que poderiam ser classificadas como “data analytics” ou “business intelligence”. Mais ou menos o que ocorreu com o tema “inovação” há não muito tempo atrás – automatizar um processo era chamado de inovação, quando o termo significa ruptura com a forma como as coisas são realizadas, substituindo por algo muito mais eficaz e com menores custos. O internet banking, por exemplo, transferiu para o cliente uma série de atividades antes executadas somente pelas agências – o que levou a uma redução significativa do número de agências, maior satisfação dos clientes e redução dos custos operacionais dos bancos. O mesmo raciocínio aplica-se às companhias aéreas, onde até a colocação das malas na esteira do aeroporto passou a ser feita pelo passageiro.

Portanto, algo semelhante aconteceu com a própria internet, que também causou o mesmo impacto ao chegar no mercado, mas demorou até ser uma parte plena do dia a dia das empresas. A diferença é que o efeito multiplicador, como o que é promovido pela IA, nunca foi tão grande. Prova disso é que, há quase um ano, o ChatGPT atingiu 100 milhões de usuários ativos mensais e se tornou o app de crescimento mais rápido da história. Mas, superado o impacto do número, quantas dessas pessoas estão usando de fato a IA de forma transformadora, ou mesmo útil?

A evolução da inteligência artificial de forma que ela faça parte dos nossos dias ainda tomará algum tempo, projetos bem sucedidos – e outros nem tantos -, startups que talvez nos surpreendam, inúmeras reuniões em sala de diretoria e aprendizados que nenhum report de agenda do CEO pode fornecer. Cabe ao principal líder da organização construir a sua própria agenda, uma que coloque o plano de crescimento da empresa acima de hypes, promessas e de sua própria vaidade.

artigo assinado por

Sergio Lozinsky

Sócio-fundador e CEO
Com mais de 30 anos na TI, é fundador da Lozinsky Consultoria. Autor de livros e inúmeros artigos sobre estratégia empresarial e tecnologia.
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