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Depois da expansão, é tempo de contração pras startups?

Após um período extremamente agitado, o mercado de fusões, aquisições e investimentos em startups dá sinais de retração. Quais as razões dessa desaceleração e como ela impactará o futuro? 

Por Ricardo Stucchi

 

O sonho das startups não morreu, mas está se vendo obrigado a fincar os pés no chão. Vários fatos recentes apontam que é chegada a hora desse mercado amadurecer, e a maturidade se faz necessária tanto do lado dos empreendedores como dos investidores.

Vamos começar pelo cenário nacional: o primeiro semestre de 2022 viu duas das principais startups do mercado imobiliário demitirem, estimadamente, mais de 400 funcionários. Isso já seria um sinal de alerta por si só, mas se torna especialmente digno de nota ao nos recordarmos que, poucos meses antes, as mesmas duas empresas anunciavam contratações em grande escala, depois de terem recebido aportes significativos. Ambas eram apontadas no noticiário econômico como modelos a serem seguidos.

Vale, ainda, chamar atenção para casos ainda mais sérios no exterior. A poderosa aceleradora norte-americana Y Combinator enviou uma carta aos fundadores das startups do seu portfólio na qual alerta para o “fraco desempenho do mercado público das empresas de tecnologia”, afirmando que “as coisas não parecem boas” e que “investimentos futuros serão muito difíceis”. O mesmo documento fala que o momento é de “valuations mais baixos, tamanhos de rodadas menores e muito menos deals concluídos”.

E, com base no mercado norte-americano, vimos também escândalos envolvendo valuations superdimensionadas, malversação de investimentos e até mesmo fraudes quanto ao produto em si e à capacidade de entrega da empresa, como no infame caso da Theranos. É difícil dizer se caso X ou Y foi o responsável direto por acautelar ou mesmo afugentar investidores, mas o fato é que tantas histórias tiveram, sim, impacto.

Então, cabe perguntar: o que está acontecendo com esse mercado? 

Depois do hype, a realidade

Em poucos anos, vimos um frisson se formando, com investidores decidindo apostar em muitas empresas, sabendo que boa parte delas não daria certo. Porém, aquelas em que a aposta se mostrasse acertada dariam muito certo. Considerando os altos valores potenciais, havia uma média bastante positiva no resultado dos investimentos.

Porém, o frenesi com as altas cifras e com a exposição pública dos casos de sucesso colaboraram para deturpar os caminhos desse mercado. Investidores começaram a acreditar em valuations astronômicos, baseados em critérios totalmente subjetivos e de potencial efêmero. Isso levou a investimentos feitos sem muitos critérios objetivos. 

Com tanto dinheiro circulando, tornou-se comum que essas empresas contratassem muitas pessoas e desembolsassem altas somas em marketing, sem que isso necessariamente se traduzisse em evolução real dos produtos. Até houve quem insistisse no argumento de que “isso faz parte do mercado”, isto é, que uma empresa que busca agilidade sempre vai ter algum grau de ineficiência. Mas mesmo esses entusiastas precisam reconhecer que houve exageros.

Não é o caso de dizer que a maioria dessas empresas que sofreram retração não tivessem potencial. Isso seria leviano. O mais provável é que esses negócios deveriam ter sido conduzidos com foco em ações estruturantes e duradouras, e não em entregas exclusivamente de curto prazo. O problema é que investidores adoram ouvir sobre rapidez e agilidade, e isso ajudou a causar a empolgação desmedida com as startups. 

Ambição com pés no chão

Todos esses fatores, somados ao cenário de retração global, praticamente convocam o mercado a amadurecer. E conforme isso acontece, mais exigentes serão as avaliações sobre as startups. 

Em vez de reclamar que está difícil captar investimentos, o empreendedor precisa olhar para dentro de casa e se perguntar se tem a gestão e os controles adequados, e também preocupar-se ainda mais com a qualidade das entregas. É a hora de fazer “mais com menos”, ou “mais com o mesmo”. Que, afinal, é o que as empresas responsáveis fazem.

Isso não tira a proposta de agilidade e mudança que uma startup tem (ou deveria ter). É tão somente uma questão de mostrar a maturidade dos empreendedores que estão por trás dessas startups. Essas empresas não podem mais se dar ao luxo de serem apenas celeiros de boas ideias. O que faz a diferença mesmo é uma gestão que mostra o quanto a empresa é capaz de absorver corretamente os investimentos.

Afinal, o que diferencia startups de PMEs é o quanto elas são escaláveis. E escala demanda grande inteligência no uso dos recursos, principalmente dos financeiros. 

A partir do momento que se abre uma empresa, é preciso saber geri-la. A “ideia na cabeça” não basta. E se o empreendedor não tem expertise, não é demérito algum pedir ajuda. Foi algo que até mesmo Sergey Brin e Larry Page, os fundadores do Google, entenderam. Ao fim de uma rodada de investimentos em 2001, na qual receberam US$ 25 milhões, Brin e Page decidiram contratar o experiente Eric Schmidt, que já havia sido CEO da Novell e teve passagem pelos conselhos administrativos de empresas como Apple, Mayo Clinic e até a Universidade de Princeton. Schmidt ficou no cargo até 2011, 

Essa experiência de comando pode ser essencial para uma startup realizar o potencial dos aportes recebidos. Grandes empreendedores sabem que não podem fazer tudo sozinhos. A humildade é parte da responsabilidade que os fundadores devem ter. Porque, mesmo durante crises, é possível crescer. Mas isso tem menos a ver com equipes grandes e propaganda forte, e muito mais a ver com a seriedade e a transparência da gestão financeira e administrativa. 

É justo dizer que esse momento especulativo, que tornou o mercado de aceleração de empresas parecido com a Bolsa de Valores, está chegando ao fim. Grandes fracassos sempre trazem grandes aprendizados. Um deles é ficar mais consciente dos riscos. Isso não quer dizer parar de se arriscar. 

Recorro, como de costume, a uma analogia com o ciclismo. Tenho companheiros de pedal que têm pavor de descer uma ladeira acelerando, seja por um medo intrínseco ou porque tomaram um tombo feio no passado. Ainda que entenda ambos os motivos, sei que segurar na descida impede de curti-la ao máximo. Se você tem técnica, experiência e uma boa bicicleta, se já treinou bastante em estradas de diferentes níveis de dificuldade e sente que está preparado, por que não tentar? O risco continua existindo, mas devidamente mensurado.

Diria que agora é hora de conhecer a ladeira. No horizonte de curto prazo, vemos muitas dificuldades: o mundo está saindo de uma pandemia, muitos países estão endividados, e ainda temos uma guerra de rumos imprevisíveis que impacta o mercado global. Com isso, o cenário fica mais conservador, e os empreendedores precisam sonhar menos e agir dentro da realidade. 

Os aportes serão menores e mais cuidadosos? Ainda é mais preocupação do que realidade, mas sem dúvida o mercado não vai morrer, tampouco as oportunidades vão desaparecer. Elas apenas precisam se tornar mais realistas e verossímeis.

 

Leia mais:

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artigo assinado por

Ricardo Stucchi

Sócio-consultor
Mais de 20 anos de atuação na área de TI. Trabalha intensamente para dar respostas a problemas complexos dos clientes.
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