De ponta a ponta, as empresas estão percebendo o diferencial dos (ainda) poucos profissionais capazes de colocar a tecnologia a favor dos negócios e das pessoas
por Rodrigo Lagranha
As empresas se tornaram tão dependentes da TI que passou a ser impossível pensar em gestão e negócios sem considerar a participação da tecnologia. Essa fusão traz, de um lado, mais significados e possibilidades de carreira para quem trabalha na TI. Mas, por outro lado, pode desconstruir as expectativas iniciais de quem ingressou na profissão e nela atua.
Muito tem se falado do papel da liderança executiva nesses tempos de gestão estratégica. Mas como essas mudanças de cultura – e da própria natureza do trabalho de TI – impactam os profissionais da área? Esse foi o ponto de partida para lançarmos cinco questionamentos para Rodrigo Lagranha, consultor da Lozinsky Consultoria, na terceira entrevista da série “5 provocações sobre o futuro do trabalho”.
Leia também as entrevistas anteriores da série:
Quem quer liberdade e autogestão?
Em terra de déficit de profissionais de TI, o modelo híbrido de trabalho é problema ou solução?
Há alguns anos, Lagranha se antecipou à transformação do setor quando decidiu migrar da carreira de analista para a de consultor. A mudança foi orientada pelo sentimento de estagnação dentro da posição de analista, que ele percebia como limitada no modelo de TI então vigente. Hoje, sua atuação o coloca em contato tanto com a esfera operacional como a de gestão, e é com essa visão ampla que ele responde às perguntas a seguir.
O profissional que ingressa hoje numa carreira de TI tem dimensão de que ele muito possivelmente vai ter que se envolver com o negócio? Ou ele ainda pensa em uma TI mais técnica e operacional?
Esse velho pensamento ainda existe. Circulo por várias empresas e o vejo com frequência. Arrisco dizer que, a cada dez que visito, no máximo duas navegam bem em cloud, falam em DevSecOps, etc. Parece irreal, mas em pleno 2021 ainda encontramos o pensamento de 20 anos atrás, as TIs estão muito lentas em termos de pensamento. A diferença que observo é que essa geração mais nova é inquieta, e chega querendo alçar voos maiores, o que é bom. Porém, esbarra em dois problemas: o primeiro são as estruturas corporativas mais fechadas ao novo, e o outro é a própria falta de maturidade deles. Esse cara mais jovem, ainda junior, quer subir, mas raramente se vê como negócio. A academia também está presa a essa mentalidade: na pós-graduação existem propostas mais atuais, mas a graduação pouco mudou em 20 anos.
O que essa transformação na própria natureza do mercado de TI causou em quem já estava no mercado?
O profissional mais estabelecido, com alguma vivência no mercado e melhor capacitado, está um passo à frente nessa adaptação. Por já ter uma base muito sólida, ele está conseguindo se recapacitar. Processos que há poucos anos eram só citados estão sendo colocados em prática hoje em dia. Veja a segurança da informação, por exemplo: ela está cada vez mais presente no negócio. Antes ela parecia uma preocupação exclusiva de TI. Outro exemplo: o profissional que cuidava de servidores e data centers foi se especializar em cloud, e se ele soube virar a mentalidade do on premise para a de nuvem, ficou à frente dos demais. Muita gente se reinventou em cima desses novos conceitos – e a LGPD pode ser incluída entre essas causas de reinvenção. Foi uma nova oportunidade de especialização e diversificação de área.
O trabalho remoto ou híbrido trouxe consequências na maneira de esse profissional se relacionar com seus pares e com a empresa?
O remoto trouxe um empurrão que precisávamos aqui no Brasil. Percebemos que era possível operar e gerenciar remotamente, e as áreas conseguiram buscar sinergia nesse trabalho “desassistido”. As empresas se adaptaram de maneira veloz, porque a TI entregou essa tecnologia muito rápido. Houve pouquíssimos impactos negativos. Acho que muita gente se sentiu mais motivada a ter menor tempo de deslocamento, mais tempo em casa. Os profissionais de TI almejavam isso há muito tempo. A organização permitiu repensar os dogmas que existiam antes, e as ferramentas de colaboração foram fundamentais para isso.
Existe espaço para uma “TI não-estratégica”? Se sim, é um nicho viável, ou tem mais as características de um “gueto” profissional?
Não tem mais espaço para esse profissional estacionado. Em pouco tempo, até o help desk, o profissional de baixa maturidade, vai ser exigido para entregar mais. Ele vai ter que entender do negócio, ou será engolido pelas outras áreas. A questão é que as empresas vão se acostumar com o “algo a mais”, com aquele cara que pode estar somente preparando uma máquina, mas que sabe o quanto vai render para o negócio ter um computador bem configurado. Todas as células de TI se encaminham para esse nível de profundidade, desde a porta de entrada até a ponta mais sofisticada.
O middle management, a gerência do dia a dia, teve seu papel mudado também?
Ao meu ver, o líder que sabe motivar, que sabe confiar e delegar, sempre muda de acordo com as exigências do momento. Aquele líder que ficava sentado no fundo da sala, indo ocasionalmente de mesa em mesa ver se o cara estava trabalhando, não tem condições de existir hoje. E não é só pela característica remota do trabalho, mas porque houve uma “virada de chave” em quem atravessou bem esse período pandêmico. O bom profissional entendeu que, se ele não fizer, se ele não entregar, ele vai sentir as consequências disso. Não tem mais como “fazer de conta” que trabalha, e acredito que mesmo quem tinha pouca maturidade já se deu conta disso. A baixa produtividade fica muito mais aparente no modelo remoto. Por isso, acho que o líder controlador se torna menos necessário. A liderança, como todo o resto, precisa ser estratégica.
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