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Como se relacionar com as startups?

Competidoras, parceiras, investidas, fornecedoras ou clientes, as startups fazem parte definitiva do ecossistema dos negócios atuais. Mas as empresas (seus boards e executivos) já aprenderam a lidar com as startups?

por Sergio Lozinsky

Depois de alguns anos de efervescência, a ebulição das startups perdeu força. Seria leviano dizer que a bolha estourou, mas a diminuição do investimento em venture capital – 62% apenas no segundo trimestre deste ano, segundo a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) – já deixa claro que essas empresas não conseguirão mais captar valores tão vultosos quanto costumavam. Evidentemente, não vão desaparecer do mercado; mas agora a relação entre elas e outras organizações entra em um novo estágio, mais maduro e contido.

Até então, vivíamos uma espécie de “corrida do ouro”: alguns achados valiosos e altamente rentáveis atraíram muitos novatos para essa “mina” de inovação. Vieram empresas preparadas para prospectar, mas também vieram os afoitos, os ingênuos, os excessivamente previdentes. E todos estavam em movimento, até que a realidade mostrasse que não havia “ouro” para todos. É um processo conhecido, e repetido várias vezes ao longo da história.

O que vem agora é um cenário em que as empresas se tornam mais criteriosas quanto ao destino de seus investimentos. O ufanismo chega ao fim, dando espaço para realização e maturidade. As startups que se reorganizarem podem ir para um caminho bem mais interessante. Mas para que todos – startups e empresas “tradicionais” – aproveitem bem esse momento, é preciso entender como ele se estabelece e os caminhos aos quais pode levar.

Três estágios

Todo negócio deveria entender a cadeia de valor onde está inserido – por exemplo, no caso da cadeia de valor de alimentos, do produtor à mesa do consumidor – e qual é seu papel nela. Isso é imprescindível para que qualquer medida estratégica seja tomada com boas chances de sucesso; e é dessa análise que surge o verdadeiro diferencial de negócios. Assim, o negócio pode pensar em expandir via verticalização, especialização, oferta de financiamento ou distribuição geográfica, por exemplo.

Esse diferencial, por sua vez, abre oportunidade para atuar como parte ou como integrador de um ecossistema, composto por empresas que complementam, inovam, criam novos canais ou novos produtos e serviços. Por oferecerem uma multiplicidade de ideias, as startups são singulares dentro desse ecossistema, capazes até mesmo de trazer pontos de vista inusitados que afetam positivamente o modelo de negócios. 

Se uma empresa quer melhorar e se beneficiar desse ecossistema, ela precisa antes identificar os temas, desafios e ideias que podem trazer alguma vantagem para o negócio que ela quer explorar. Isso vai permitir que seja mais assertiva na missão de encontrar uma startup que já esteja desenvolvendo uma solução para tanto. 

É um processo tanto de investigação como de atração: quanto mais a empresa explicitar que está aberta ao novo, maior a probabilidade de receber ofertas de entidades – startups individuais, fundos de private equity… – que percebem nela a oportunidade de desenvolver seu negócio.

Esse seria o modelo ideal de relacionamento entre empresas e startups. Porém, é um padrão que não se desenvolve uniformemente no mercado. A grosso modo, ele tem três estágios:

  1. “Inovação entre quatro paredes”: são as empresas que, por quererem preservar demais seu negócio, evitam aprofundar sua relação com o ecossistema, dificultando o processo de identificação de startups que podem lhe trazer valor, ou mesmo daquelas que, a médio ou longo prazo, podem ameaçar seu negócio, seja por conta própria ou por estarem associadas a um ecossistema concorrente;
  2. Inovação aberta: corresponde ao estágio descrito alguns parágrafos acima, no qual a empresa procura tanto investigar como atrair os possíveis desenvolvedores de soluções para um problema específico de seu negócio;
  3. Cultura ampla: implica adotar não só a postura do estágio anterior, mas também manter o olhar em tudo o que está acontecendo no mundo, identificando elementos benéficos para os negócios mesmo em áreas que não estejam imediata ou diretamente associadas ao seu ecossistema. 

Acompanhei pessoalmente alguns exemplos desse último caso. Um deles foi o de uma empresa cujo core business está em academias de ginástica presenciais. Ao adotar essa cultura ampla, ela conseguiu identificar um sistema de chamadas de garçons em um restaurante que, percebeu, aplicava-se à necessidade do aluno da academia de chamar o professor de forma intermitente e irregular, e instalou o sistema nas máquinas do fit center. Mas esse modelo ainda é o menos presente, os outros dois ainda são prevalentes – ainda que, vale destacar, tenho visto cada vez mais empresas abandonando a ideia de que a inovação deva ficar restrita a quatro paredes. 

No universo da inovação aberta, já encontramos algumas empresas que estão indo um pouco além: mais do que investigar e atrair, elas criam um vínculo adicional com a startup escolhida, um elo que se fortalece conforme essa última cresce. Essa atitude de “ajudar a dar certo” é importante, pois a empresa é capaz de usar sua força, sua reputação e sua capacidade instalada para fazer o negócio “acontecer”. O grau de sucesso desse tipo de iniciativa pode variar, é claro, mas quanto melhor foi a lição de casa, menor o risco desse investimento não ter retorno.

O outro lado 

Não são apenas as empresas que estão amadurecendo nessa relação: as startups também estão construindo um novo cenário. Temos novas empresas que nascem com um nível de maturidade mais alto, o que beneficia o ecossistema. Isso também traz um outro fator importante: o hype passa a perder força. Até pouco tempo, era bastante comum conversar com uma startup que atribuía a si mesmo um valor de mercado altíssimo, baseado muito mais em soberba e arrogância do que em capacidade de entrega. A crise trouxe a visão do negócio a um patamar mais adequado e realista. 

O choque de realidade de 2022 – com inflação, início de uma depressão, complicações logísticas graves etc – ajudou a apagar um pouco esse mercado bullish, que aposta que amanhã vai ser melhor e depois de amanhã, melhor ainda. Esse cenário distorcido felizmente acabou. 

O que ainda falta evoluir nessa relação é o processo de integração. Em muitos casos, as empresas acabam designando um profissional para ser o eventual único intermediário desse processo. Se a escolha não for muito bem-feita, essa posição deixa de ser estratégica e torna-se apenas um cargo, com direito aos vícios do acúmulo de poder e obtenção de privilégios. 

Persiste, também, uma falta de detalhamento: nem sempre a investigação levou a entender todos os processos da startup parceira. Esse é um trabalho complexo, que envolve engenharia, organização, processos, sistemas, integração e modelos financeiros. Tenho dúvidas de quanto as empresas que entram na construção de um ecossistema entendem o tamanho do esforço necessário para fazer dar certo. Da mesma forma, a startup muitas vezes não tem claro para si que, ao assinar um contrato com a empresa maior, entra em um novo modelo de negócio, que exige dela uma reestruturação interna e, às vezes, uma adaptação cultural.

Mas é natural que ainda haja pontos a melhorar. Essa relação é recente, e sua evolução tem sido bastante rápida, se compararmos com outros momentos pivotais da história dos negócios. Se mantivermos essa crescente de maturidade, a relação entre startups e empresas pode até não movimentar as cifras superlativas do passado, mas tem condições de criar resultados mais interessantes e duradouros.

Este artigo foi originalmente publicado na coluna Transformação Digital sem Travas, no portal The Shift

Leia mais:

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artigo assinado por

Sergio Lozinsky

Sócio-fundador e CEO
Com mais de 30 anos na TI, é fundador da Lozinsky Consultoria. Autor de livros e inúmeros artigos sobre estratégia empresarial e tecnologia.
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