O que os dilemas relacionais do CIO podem ensinar aos futuros líderes da TI?
A pressão por resultados é uma velha conhecida dos profissionais de TI, mas ela só acontece por causa de desafios tão complexos quanto sutis que a liderança traz – e que podem ser vencidos se as novas gerações adotarem uma nova atitude
Você é um líder de TI? Se sim, esse texto não é para você. É para quem deseja um dia ocupar essa cadeira, ou para aqueles que se relacionam com quem está nessa posição. Seja como for, te convido a ficar. Você vai encontrar muito com o que se identificar.
Tem uma brincadeira que diz que CIO significa “Career Is Over” (sua carreira acabou). Não é de todo descabida, já que, há alguns anos, o profissional que ascende à liderança da TI encontra uma cadeira “quente”, na qual não permanece por muito tempo – ou permanece, a um custo pessoal muito grande. Felizmente, esse não é um cenário generalizado e, de alguns anos para cá, encontramos até mesmo alguns CEOs vindos da tecnologia. Mas ser CIO, CTO, CDO – ou seja lá qual for o título da vez – traz responsabilidades e dilemas difíceis.
Nos dez anos em que venho atuando como consultor, sempre me deparei com uma “dança das cadeiras” bastante frenética. Não foram poucos os projetos de transformação digital nos quais vi meu interlocutor mudar várias vezes, seja porque ele quis deixar a empresa, seja porque a decisão partiu da organização. Apontam-se dedos para quem está no comando, porém perdemos de vista algo bastante óbvio: esse líder já foi um profissional de base da TI.
Eu mesmo, nos meus tempos de programador-analista, me vi almejando essa posição. Como todo bom jovem, pensava a situação de forma simplista, achando que poderia fazer diferente do que as pessoas mais experientes com quem convivia. Conforme fui amadurecendo, passei a entender melhor os dilemas de quem está à frente da área de tecnologia em uma corporação. Como gerente de sistemas, já pude visualizar o que era a relação dos líderes com suas equipes e suas instâncias superiores, e a ambiguidade vivenciada nessa relação.
A TI é demandada por resultados e precisa conquistar a satisfação de pares de negócios, demais líderes, colaboradores e clientes. Por outro, precisa manter a equipe engajada e tentar operar mudanças profundas na relação com esses agentes e na arquitetura de sistemas. É muito “seja feita a vossa vontade” para pouco “venha a nós o vosso reino”. Por isso, vi que muita gente não queria dar o próximo passo na carreira: eles sabiam o tamanho da dificuldade que teriam pela frente.
Dívida impagável
Na verdade, os mais de 20 anos de experiência em TI me permitiram ver que o CIO tem muito menos autonomia do que se costuma pensar. Simplesmente não há espaço para isso na maioria das organizações. É uma posição com tantos problemas pedindo solução que o olhar fica direcionado apenas aos emergenciais. Quem tenta sair desse imediatismo frequentemente se vê sequestrado pelo dia a dia, porque as áreas de negócio demandam que as operações sejam mantidas, sem margem para ações de longo prazo.
Quando alguns poucos conseguem sair desse patamar e olhar um pouco mais adiante, vêem seus planos de médio e longo prazo rejeitados pela empresa. É semelhante ao técnico de futebol: quando é trazido a um novo clube, ele não pode fazer grandes contratações, não pode tirar um jogador problemático por ele ser apadrinhado, não pode bloquear interferências de outras áreas. Mesmo assim, é cobrado para trazer resultados melhores que os do seu antecessor. Como não consegue, o treinador cai, ou é derrubado pela equipe. Entra, então, um novo profissional para viver esse mesmo ciclo na sequência.
Há, ainda, outra analogia bastante ilustrativa dessa problemática da liderança de TI. Seria como assumir um cartão de crédito que não era seu, cujo proprietário anterior estava há seis meses no rotativo. Os juros altos aumentam a dívida, impossibilitando investir ou mesmo fazer economias. Da mesma forma, o líder de TI assume quase sempre um grande débito técnico. É comum que esse déficit alimente a permanência justamente das pessoas que originaram esse problema: por mais ineficiente que ela seja, o líder precisa mantê-la na sua posição, pois só ela sabe resolver o problema que ela própria criou. O fim, porém, é o mesmo da comparação futebolística: o líder de TI vira o bode expiatório, e paga um preço alto por uma conta que ele muitas vezes não começou.
Mudando os caminhos
Se você está vendo alguns desses cenários na organização em que trabalha, considere ajudar seu CIO – seja você subordinado, par ou superior. E se você almeja essa posição no futuro, essa ajuda é ainda mais importante, pois você não vai querer encontrar esse panorama quando chegar lá.
As empresas que não vivenciam esse quadro são aquelas em que o CIO goza de um nível de confiança que lhe permite falar o que realmente pensa. Isso aumenta a consciência das demais lideranças e áreas parceiras. É algo importante, pois evita que o líder de TI prometa aquilo que não pode cumprir – algo que acontece nas organizações onde não há essa maturidade.
Se o líder de TI promete uma entrega da qual ele não é capaz, porque se vê forçado a tanto, só há dois resultados possíveis: não cumprir, ou entregar com má qualidade. Isso faz com que ele perca o respeito, a equipe e, não raramente, o cargo. Enquanto isso, o débito técnico só aumenta, e a dívida vai se tornando impagável…
Se você adota essa atitude colaborativa e resolutiva com o líder de TI, você coopera não apenas com ele diretamente, mas com o fomento dessa maturidade organizacional. Começa a ser factível pensar em uma cultura corporativa onde as pessoas ao redor da TI se educam para efetivamente escutar a verdade, e não apenas aquilo que querem que seja dito. Isso já é um grande passo para uma TI melhor e menos onerosa no futuro.
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